09 Janeiro 2023
“O plano secreto deve ser articulado em vários eixos e fases, mas cultiva um único objetivo: estressar o pontificado para chegar à renúncia de Francisco, contando com um progressivo enfraquecimento do Santo Padre e com escolhas doutrinais que criem bolsões de descontentamento a serem enfatizados e reunidos.”
A reportagem é de Gianluigi Nuzzi, publicada em La Stampa, 08-01-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Quem fala é um experiente cardeal italiano, refinado conhecedor da Cúria Romana desde os tempos de Wojtyla: “Os opositores de Francisco sabem estão conscientes de que hoje representam uma minoria, pelo menos nos cargos de comando. Precisam de tempo tanto para chegar a consensos quanto para enfraquecer Bergoglio. Por isso, eles se movem em vários níveis: alguns, na sombra, tramam para obstaculizar os movimentos do papa, rachando, por exemplo, as potenciais candidaturas fortes para a cúpula da Congregação para a Doutrina da Fé ou da Conferência Episcopal Italiana; outros criam publicamente tensão e confusão sobre direcionamentos teológicos, como Dom Georg Gänswein, o secretário de Ratzinger que, consciente ou inconscientemente, em livros e entrevistas, valorizou as distâncias e as rixas entre os dois papas, indo de encontro ao jesuíta argentino”.
Em suma, os da “outra Igreja”, como alguns sussurram nos Sagrados Palácios, sabem muito bem que estamos a anos-luz de 2011-2012, quando Bento XVI decidiu desistir e que aquela situação, aquele húmus não pode ser replicado.
Na época, a Cúria Romana era italiano-cêntrica, com uma sólida aliança entre a Secretaria de Estado e o episcopado estadunidense, liderada pelos famosos três B’s (Bertone, Becciu e Balestrero), em substancial equilíbrio com a velha guarda de área diplomática (Sodano) e estrelas em ascensão (Piacenza).
Bento XVI estava ciente de que o papa entrante acabaria com aquele bloco de poder, que havia se coagulado desde os tempos de Paulo VI, como ocorreu depois em uma luta cotidiana até agora pouco contada. E, de fato, hoje encontramos homens desejados por Bergoglio com uma fragmentação do poder, começando pelo papel mais contido confiado ao cardeal Pietro Parolin, em comparação com os secretários de Estado anteriores. É inegável que este último tem uma influência mais reduzida sobre o papa reinante do que a exercida pelo Bertone – pelo menos até meados de 2012 – sobre Ratzinger.
Essa situação fortalece Bergoglio, que quase já concluiu as mudanças e impõe cautela entre as fileiras de seus críticos. É nessa direção que devem ser interpretadas as palavras do arcebispo Timothy Broglio, o conservador presidente da Conferência dos Bispos dos Estados Unidos e que certamente faz parte daqueles que são céticos em relação a este pontificado.
Em entrevista ao jornal La Repubblica, ele primeiro criticou as manifestações públicas de Gänswein (“Se temos críticas a fazer ao Santo Padre, não devemos fazê-las por meio da mídia de massa, mas diretamente a ele pessoalmente. E considero Dom Gänswein um amigo”), depois retomou outro objetivo caro aos críticos de Francisco, normalizar a renúncia a fim de torná-la um passo quase normal, sobretudo por motivos de saúde: “Talvez a possibilidade de uma retirada por parte de Francisco seria mais viável agora que o papa emérito não está mais aqui. Eu também vi a dificuldade, o fato de ele não celebrar: são todos elementos de um trabalho pastoral normal ausentes”.
Além disso, no mês passado, Francisco apagou 86 velinhas e, em uma entrevista ao ABC, lembrou que já assinou uma renúncia em caso de impedimento de saúde, talvez lembrando como terminou o pontificado de Wojtyla.
O refletor, portanto, está aceso sobre a poderosa comunidade dos Estados Unidos, e as palavras escolhidas por Broglio tranquilizam, mas apenas até certo ponto. A visão de Bergoglio de uma Igreja universal que volte às origens com um Vaticano reduzido nas marchas de poder e uma interpretação minimalista, pauperista e ecologista das Escrituras agita essa comunidade e anima as divergências.
Repercutem as preocupações em questões profundas, como a abolição do celibato obrigatório para os padres, os direitos dos casais homossexuais, a comunhão para os divorciados, que devem ser readmitidos, e assim por diante. Os críticos conservadores aumentam e se unem em rede. Certamente, já se passaram alguns meses desde que Dom Carlo Maria Viganò não troveja como de costume contra a fé globalizada e um papa herético, inimigo da Igreja, mas é mais alguém que trama nos bastidores para depois chegar a purpurados de alto escalão como os alemães Walter Brandmüller e Gerhard Ludwig Müller, que assinaram os dubia sobre a Amoris laetitia com os cardeais Raymond Burke e Carlo Caffarra, até o guineense Robert Sarah e Zen Ze-kiun, de 90 anos, que acaba de se encontrar com Bergoglio, mas que vem cultivando durante sua vida inteira posições distantes da linha de diálogo com as autoridades de Pequim em relação à Igreja clandestina e oficial na China.
Imigração, Islã e sexualidade são outras questões que dividem e criam fronteiras, tanto que, nesse tabuleiro de xadrez, organizações como o Opus Dei, os Cavaleiros de Colombo e os Cavaleiros de Malta, embora por razões muito diferentes entre si, sofrem um esfriamento nas relações em relação a seus antecessores.
E, assim, nos Sagrados Palácios, a atenção agora é máxima, e até a recente assinatura do papa sobre a reforma do vicariato de Roma, feita em São João de Latrão, e não no Vaticano, suscitou conjecturas.
Há também quem leia a escolha como um sinal claro de valorização de sua figura de bispo da capital em relação à de monarca absoluto do pequeno Estado e pontífice. Afinal, aproxima-se a fatídica data de 11 de fevereiro, dia da primeira aparição de Nossa Senhora de Lourdes e da assinatura dos Pactos Lateranenses. Ela será lembrada sobretudo pelo 10º aniversário do anúncio de Ratzinger que chocou o mundo: “Depois de ter examinado repetidamente a minha consciência diante de Deus, cheguei à certeza de que as minhas forças, devido à idade avançada, já não são idôneas para exercer adequadamente o ministério petrino”. Palavras que muitos, na penumbra e a meia voz, sonham em ouvir novamente com aquele inconfundível sotaque portenho.
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Quem está por trás de Dom Georg Gänswein - Instituto Humanitas Unisinos - IHU